quinta-feira, 30 de junho de 2016

Reajustes do Judiciário e do Bolsa Família contrariam o discurso de austeridade fiscal

Temer, na cerimônia em que anunciou o aumento para os beneficiados pelo Bolsa Família: aumento de despesas já começa a provocar críticas na sua base - Adriano Machado/Reuters

BRASÍLIA — Na contramão do discurso de austeridade fiscal do presidente interino, Michel Temer, medidas aprovadas ou patrocinadas por seu governo elevaram gastos públicos. Só na quarta-feira, Temer avalizou um aumento de despesas de mais de R$ 3,6 bilhões até o fim do ano, com o anúncio de reajuste dos benefícios do Bolsa Família (R$ 1,6 bilhão), acima do patamar proposto por Dilma Rousseff, e a aprovação no Senado do reajuste dos servidores do Judiciário e do Ministério Público da União (R$ 2 bilhões), apoiado pelo Palácio do Planalto.

Quando assumiu interinamente, em maio, Temer declarou não estar preocupado com popularidade e que seu governo "cortaria na carne" para arrumar as contas públicas. No entanto, as medidas de contenção de despesas anunciadas até agora, como a redução de ministérios e o corte de cargos comissionados, tiveram um impacto pequeno no orçamento. Pesa na decisão de Temer, de apoiar a expansão das despesas, a interinidade de seu governo.

Para tentar se viabilizar definitivamente no cargo, ele cedeu a pressões, pondo em risco o discurso da austeridade fiscal. Em contrapartida, procura pavimentar um caminho político sem tantos percalços, evitando greves de servidores e pressão de governadores, além de obter uma trégua dos movimentos sociais. Esses três segmentos foram os maiores beneficiados pelas ações do governo interino até agora.

SENADO APROVA REAJUSTE NO JUDICIÁRIO

Na quarta-feira, o Senado aprovou os projetos de reajuste dos servidores do Judiciário e do Ministério Público da União. As duas categorias terão um reajuste de 41,5%, a ser pago em oito parcelas, até 2019. O rombo nas contas públicas será de R$ 26 bilhões até 2019, sendo R$ 22,26 bilhões destinados ao Poder Judiciário e R$ 3,52 bilhões ao Ministério Público da União e ao Conselho Nacional do Ministério Público da União.

Nessa conta não está o impacto fiscal causado pela renegociação das dívidas dos estados com a União, de R$ 30 bilhões até 2017, nem o aumento dos servidores do Executivo, cuja votação está prevista para a próxima semana. A aprovação de todos os 14 projetos de reajuste dos três poderes significará um impacto de R$ 67,7 bilhões em 2018. Mas o gasto pode chegar a R$ 100 bilhões, conforme cálculos do PSDB, se forem somadas as parcelas de reajuste de 2019.

Em maio, quando a presidente afastada, Dilma Rousseff, anunciou o reajuste de 9% do Bolsa Família, a medida foi criticada por pelo menos dois importantes integrantes do governo Temer: o ministro da Educação, Mendonça Filho, e o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que, mesmo após ter se demitido do Ministério do Planejamento, atua como um dos principais consultores de Temer na área orçamentária. Ambos declararam em maio que o anúncio de Dilma era "populista". Na quarta-feira, o governo se desdobrou para justificar os aumentos e dizer que não pôs em prática um pacote de bondades.

Ao anunciar o reajuste do Bolsa Família de 12,5%, ainda maior do que os 9% prometidos e não cumpridos por Dilma em maio, o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, explicou que os recursos virão do descongelamento do orçamento da pasta e do déficit previsto de R$ 170,5 bilhões na meta fiscal.

PRIMEIRA MEDIDA FOI AMPLIAR A META FISCAL

Quando Temer assumiu, a sua primeira medida foi ampliar de R$ 96,6 bilhões para R$ 170,5 bilhões a meta fiscal, sob o argumento de que Dilma subestimara e maquiara os números. Agora, a fonte para os aumentos é praticamente a mesma: a reprogramação da meta fiscal.

O aumento global no valor do Bolsa Família foi de R$ 2,23 bilhões ao mês para R$ 2,5 bilhões, uma diferença mensal de R$ 270 milhões. Até o fim do ano, o aumento terá um impacto de R$ 1,62 bilhão.

— Há uma situação dramática da economia. O governo reajustou sua meta e não se pode, em torno disso, sacrificar a política social. Não tem sentido deixar quebrar os estados. Dentro dos reajustes possíveis tem que se atacar as situações emergenciais, priorizando questões que são importantes para o governo — justificou o ministro Osmar Terra.

No Congresso para defender os reajustes dos servidores e do Bolsa Família, o ministro interino do Planejamento, Dyogo de Oliveira, disse que ambos esses gastos estavam previstos e estão adequados à lei orçamentária.

— Não se trata de pacote de bondades. O reajuste do Bolsa Família já estava anunciado, inclusive pelo governo anterior. O que não se pode é esperar que esse ajuste seja cobrado apenas de uma das parcelas da população (os servidores). É preciso que a gente vá ao longo do tempo, distribuindo o peso desse ajuste — disse o ministro.

Apesar das justificativas, aliados do governo demonstraram incômodo com as ações que parecem ir na contramão do discurso do ajuste. Na noite de terça-feira, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, participou de um jantar com cerca de 50 senadores na residência do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), onde ouviu reclamações pelos sinais contraditórios do governo. Indagado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) sobre a necessidade de se votar os reajustes, o ministro, segundo participantes do encontro, foi evasivo. A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) se irritou.

— O senhor tem que responder objetivamente — disse ela.

Na quarta, no Congresso, após o anúncio do reajuste do Bolsa Família, o clima entre os aliados ainda era incômodo. O líder do DEM na Câmara, deputado Pauderney Avelino (AM), afirmou, por exemplo, que esperava de Temer mais rigor e austeridade em relação aos gastos.

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